Manuel Menéndez

Master – Direction Projets Artistiques, musique et arts de la scène. montpellier III; Master – Administration et Gestion d’Entreprises Culturelles. Mention T.B. Barcelone; D.E.A. – Etudes Mexicaines. Université de Perpignan; Licence – Filologia Hispánica. Université de Barcelone; Maîtrise – Espagnol. Université de Montpelier III; Licence – Espagnol. Université de Perpignan; Directeur d’Alliance Française Vale do Paraíba; Autor, escritor, poeta de livros publicados de poesias e contos.

“Tour de Force”

Luiz saiu com força do espaço da tela e foi para o campo, melhor dito, para o Parque Vicentina Aranha onde ele ocupa 15 salas dum dos pavilhão sobre uma superfície de 1200 m2. Ou seja « un tour de force » digno da Monumenta du Grand Palais de Paris onde, desde 2007, fizeram instalações especialmente concebidas para a ocasião artista consagrados como Richard Serra, Burren o Boltansky. Como todos sabemos uma instalação é a ocupação de um espaço durante um certo tempo colocando em situações diferentes técnicas de expressão e de representação e como é o caso do Luiz, com um sucesso inesperado e mesmo surpreendente. Penso na sala das lamentações, sala interativa onde as pessoas podem escrever o que deixaram de fazer ao longo da vida, expressar seus pensamentos íntimos, calados e finalmente libertadores.

Se a instalação perturba a relação entre obra e o público, rompendo os limites impostos por certas limitações, na instalação do Luiz essas barreiras estouraram. Os panos do chão imaginados para a sala das amizades onde o público era convidado a amarrar um retalho representando as amizades que se faz ao longo da vida, desbordaram o objetivo original. Surpreendente é espontaneamente essa interatividade – sem recorrer as novas tecnologias- se alastrou nas outras salas com um propósito completamente novo criando assim uma idéia labiríntica como labiríntico e o percurso proposto por Luiz com esses panos no meio da sala. O espectador já não sabe se pode ou não passar ; e se quer ver as obras tem que fazer uma ginástica ondulando em baixo dos panos estendidos ao redor da sala. A distância entre artista e espectador fica definitivamente abolida e se torna como um espaço de mutação. A cenografia vive, muda, se transfere, criando novas etapas visuais e sensuais.

Estava escrevendo esse texto quando tive que ir ao mercado fazer umas compras entre as que estavam ovos que a vendedora embrulhou em papel jornal, quando cheguei em casa qual não foi a minha surpresa era a página do jornal O Vale no caderno Viver informando da instalação de Luiz Bhittencourt. Isso me fez pensar que não tem maior instalação que um mercado com suas estruturas de ferros e madeiras, de toldos e caixas e da multicolor e multiforme horticultura, fruticultura.

Na sua instalação Luiz Bhittencourt nos propõe como um Axis mundi onde se comunicam os três níveis cósmicos : Céu, Terra, Mundo inferior. A instalação confere assim uma estrutura cósmica ao pavilhão protegendo assim o profano de um contato -sempre perigoso – sobretudo se não se esta preparado, com o sagrado. Entrar na sua instalação é como entrar em um espaço sagrado, é como franquear a fronteira entre nosso mundo e o mundo de ‘em cima’ através de um itinerário. Tem a porta, é claro, o « guardião » e também as 15 salas como itinerança para penetrar o mundo sagrado uma vez depurado de toda vaidade, de todo pecado.

Mais esse Axis mundi não conduz a lugar nenhum, a última sala não tem saída e você tem que voltar a desfazer o caminho- talvez o espectador tem a sensação de ter chego ao Paraíso- mais não tem jeito, não pode ficar, tem que sair da sala, tem que voltar.

Como no seus quadros, Luiz Bhittencourt não aporta soluções, só processos de questionamentos, de tentativas e de erros. Essa instalação sem saída nos pode conduzir a pensar que o homem não é livre de escolher seu lugar sagrado. Construir um templo não é fácil, como viver não é fácil, sempre em um eterno recomeçar. “Il faut imaginer Sisyphe heureux !“ * dizia Camus na sua filosofia do absurdo : do homem em busca de sentido, unidade e clareza no rosto de um mundo ininteligível desprovido de Deus, desprovido de eternidade. Como Camus, Luiz não se satisfaz no seu mundo e nos empurra aos questionamentos mais essenciais. A vida exige revolta.

Ao sair da instalação teve uma profética visão. Umas figuras encapuzadas em silenciosa fila penetraram no pavilhão escuro e saem uma a uma, cada uma carregando sua cruz como em uma procissão se dirigindo a uma pira. Aí em metade da noite termina, com poética machadiana, a instalação de Luiz Bhittencourt no pavilhão do Parque Vicentina Aranha como em um formidável fogo de artifício. Um formidável happening digno dos maiores artistas do século XXI, como em noite de fogaréu.

A cidade tem um parque,
O parque tem um pavilhão,
O pavilhão uma instalação,
A instalação umas cruzes,
Umas sombras passaram,
Quem sabe por que passaram?
E levaram as cruzes,
As cruzes e a instalação,
A instalação e o pavilhão,
O pavilhão e o parque,
O parque e a cidade.

* “Temos que imaginar Sísifo feliz”

Em referência a exposição “Indulgência, Do Pecado à Absolvição”.

Série Elementos da Natureza

Disse em minha apresentação, algum tempo atrás sobre as obras de Luiz, várias coisas que vão surgindo nesta nova série:

Beber em muitas fontes de movimentos artísticos sem cair em qualquer uma delas e acrescentei que enfrentamos um artista que cada dia inventa seu próprio estilo.
Ele tem um jeito de pintar algo irreverente e um cromatismo parecido com Van Gogh.
Que cada vez seu estilo era mais depurado.
É um homem do seu tempo e percorre sua obra evocações da História da Arte.
Não podia dizer melhor, na série Elementos da Natureza estamos em presença de um Luiz completamente diferente. Desta vez bebe descaradamente no expressionismo abstrato, e com um cromatismo menos espiritual, mas terreno segue o caminho de Van Gogh porem em sentido inverso. Fugindo do figurativo, o diálogo com o expectador é mais íntimo. O contraste de cores nos impressiona e nos leva através de paisagens cada vez mais telúricos sem perder o ponto de poesia criada pelo uso do claro-escuro e certo vazio que tem a função de criar silêncio na tela. Ele segue pintando com essa forma irreverente, essa delicada provocação que tem todo artista que se preza. Obviamente, nesta série, Luiz é mais depurado, elimina quase completamente qualquer referência figurativa, embora … Luiz Bhittencourt continua com sua intenção constante de tirar o homem, imerso na carreira do tempo, da sua indiferença ao essencial da vida. Desta vez, ele faz isso através de enormes manchas de pintura com um cromatismo onde dominam o preto e o vermelho. Seria fácil referir-se ao anarquismo “nem Deus, nem Mestre”. Mas verificando a reflexão, Luiz não está longe deste preceito, não obedecendo a qualquer corrente e colocando acima de tudo, sobre o Altar de seu trabalho, a Natureza.

Mas olhemos mais de perto o que os quadros sugerem. Sua exposição ocupa três salas de um dos complexos do Espaço Cultural da Igreja São Benedito, onde a meu ver, estamos mais na presença de um “bestiaire”, porque as manchas de cor revelam, após um momento de contemplação, bois, cães, gatos, caranguejos, medusas, peixes… e corpos humanos, mulheres, rios, lagos.

Cromático, lúdico, poético, provocador, Luiz apresenta aqui e ali, a silhueta de uma mulher frágil de cor lilás-preto, os cabelos ao vento, lutando contra elementos telúricos, ou esse busto de escultor que aparece no canto de uma tela ou mesmo esta mulher de costas de cor vermelha em atitude de descanso, de relaxamento. Algumas formas são mais agressivas como a bota de um lorde arrogante e indiferente, ao que pisa, desprezando, destruindo? Está também o cachorro descansando no colo de seu dono e o gato que tem mais cara de cooker. Ou este díptico de dois gatinhos brincando com uma bola, de cromatismo mais feliz, de composição mais dinâmica.

Poderíamos também evocar as pinturas do rio e lagos onde a água filtra, flerta e flui.

Mas atraem poderosamente a minha atenção, duas belas pinturas e grandes, talvez as mais fortes, ou mais bem executadas pelo dinamismo e a luz do próprio quadro. Pendurados em duas paredes frente a frente que poderiam ser uma alegoria da vida.

No primeiro, vemos o que eu chamaria, de capoeira de bois, para o qual Luiz recorre mais a geométrica. A direita um boi de frente vermelho, encara seu chifre para o expectador em atitude de desafio e um boi branco com a cauda levantada, a cabeça para trás como em um movimento de dança ou luta, no mais puro estilo de capoeira.

Pendurado na outra parede, um touro vermelho os músculos tensos, a energia concentrada em seus rins, foge para a macha branca, para a luz, para a salvação. O casco dianteiro do boi, de cor cinza, acentua essa sensação. Isso me lembra Goiás Velho, cidade de Cora Coralina e estas tardes lânguidas de domingo, quando olhava, desde o restaurante, caminhões e caminhões carregados de vacas com olhos tristes, em direção ao matadouro. Desculpe-me Luiz, por esta digressão, mas como um golpe de flash eu lembrei desses olhares, com esse boi da sua tela que quer escapar desse destino, talvez redimido por seu pincel, pela magia da arte.

No meu constante questionamento, Luiz leva-nos desta vez da mão para a abstração lírica e mais para o “push and pull”, cuja regra essencial segundo Hofman, artista que teve que fugir dos nazistas, é o contraste de intensidade. A partir de suas manchas de pintura diferente, o olho, chamando a cor cortesia opera em mente, uma espécie de mistura óptico cuja fusão nos leva a perceber uma cor diferente, como na pintura de um caranguejo. Em vez de misturar cores na paleta vemos Luiz operar nossa visão de que milagre “Et voilà te tour de force”, Luiz. O expectador torna-se ator e participa ativamente do processo de criação.

Luiz com alguma insolência parece querer cortar todos os cordões umbilicais que prevalecem em nossa sociedade e voltar para o que diziam Montaigne e Rousseau sobre o “Mythe du bom sauvage”. Redescobrir Natureza, essa desordem tão harmoniosamente ordenada, e essencial para todos nós que sabemos e não sabemos os valores e os poderes que tem. Luiz Bhittencourt, lúdico e provocador – Eu entendo a sua proposta, eu entendo o seu itinerário, mas não sei se todo mundo vai acompanhar essa Via Crucis particular. Dizendo de passagem que é uma proposta nobre, digna de qualquer artista que se preze.

Em referência às obras da série Elementos da Natureza.

Coletânea da Religiosidade de Luiz Bhittencourt

Exercício difícil para mim hoje introduzir Luiz Bhittencourt artista renomado no Vale do Paraíba, mas também internacionalmente. Luiz tem 17 pessoas que cuidam de sua imagem, clientes em todos os lugares, instituições, organizações e corpo diplomático que compram seu trabalho.

Ele possui obras em mais de 20 países. Ele possui também obras vendidas por todo o país por arquitetos nacionais que a divulgam em todo o Brasil. E vem a pergunta fatídica. O que eu posso acrescentar, sendo um simples diretor da Alliance Française em sua obra sendo eu laico? Então olhei para as obras. Tentei agarrar-me a alguma corrente pictórica para dar-me segurança as interpretações. Eu pensei em impressionismo, cubismo, expressionismo e mesmo matierismo mas nenhuma me dava satisfação por que Luiz é inspirado em todas elas sem cair em nenhum destes estilos. E isso em si não é apenas banal. A primeira coisa que surpreendeu quando eu recebi o convite da ilustração era que se perecia com obras de pintura Catalã romântica. Diferente da expressão bizantina ou Italo bizantina descritiva dos rostos que são bastante graves e uniformes. Características também da visigótica caracterizados por suas cores amarelas berrantes com figuras de crianças, com uma grande forma humana. Claramente evocam a arte medieval por que o objetivo é o mesmo: para ilustrar os momentos bíblicos ou religiosos em busca de luz, em busca de Deus, como é o caso de Luiz. Mas Luiz também é um homem de seu tempo e recorre através de suas obras a História da Arte. Entendia no sentido de que Borges disse sobre a literatura que eles retornando, as obras de Luiz sempre escrevem o mesmo livro. E evidente que o cromatismo e as pinceladas fortes estão relacionadas a Van Gogh e a Picasso em seu período azul até mesmo através de seus famosos quadros Les Demoiselles d’Avignon (que não tem nada a ver com essa cidade francesa, mas com Avinyó Carrer de Barcelona, onde Picasso viveu e onde ele localizou o bordel da burguesia catalana).

Obviamente Luiz, remove todas as referências aos seus arabescos, motivos arquitetônicos, arcos entrelaçados, ferraduras e caprichos de arte medieval. Ele se preocupa mais com as perguntas que as respostas. Recorre a pintura como em um ato desesperado de experiência interior, de introspecção e de espiritualidade. Os rostos são representados através de uma perspectiva de vida e não de sono ou de contemplação. Talvez em uma tentativa de tirar o homem da sua inercia quotidiana da sua indiferença face ao essencial da vida. Homem! Pare! Olhe ao seu redor, o que lhe dá vida, mas também sonda o que está dentro de você.

Os títulos de Luiz são impressionantes: Bento Santo / Santa Ceia, Traição de Judas / Santa Ceia, Cálice de Ouro / Santa Ceia Gore / Consolador / Santa Ceia, Cálice de Luz / Sana Ceia, Cálice de Sangue.

Estas evocações de sangue me faz pensar nas procissões da Sanch (ato curioso que é uma mistura de religião e de cultura popular catalã), que acontece em Perpignan, cuja vocação principal foi de acompanhar os condenados à morte o que fez que se protegessem com capuzes pretos e vermelhos.

Mas deixe-me parar no trabalho e obra impressionante: Séculos de Sangue, Por Deus ou pela Igreja?, que foram realizados pela igreja em nome de Deus. Um exemplo claro foi a inquisição que excursionou pela Europa durante séculos. Uma série de cruzes vermelho sangue, até o infinito em uma paisagem deserto onde figura humana esta ausente mais ao tempo raivosamente presente. Frente a esse quadro você se sente desamparado, sozinho. A solidão do homem sobre a terra, nascemos sozinhos e morremos sozinhos, mas também frente as dificuldades da vida estamos sozinhos. São vidas essas cruzes? Cruzes como vidas sacrificadas? Em nome de quê? De quem? Luiz expressa uma dualidade preocupante com essas duas cruzes na seção de Ouro do quadro: bem / mal; luz / sombra; vida / morte; vício / virtude; Deus / diabo. Ou essas cruzes são simplesmente todas as eleições ou renúncias que os homens e as mulheres fazem ao longo da vida? O pai de Albert Camus disse: “un homme, ça s’empêche”. Uma cruz preta, uma branca, a última felizmente com mais presença e relevo. Uma Via Crucis particular, as interrogações silenciosas de Luiz criam em mim um sentimento de dúvida. Não em vão, ele tem uma série chamada dualismo que expressa claramente a luta entre o bem e o mal. Cuidado Luiz, eu morava e trabalhava no país cátaro, e os primeiros que expressaram essa dualidade terminaram na fogueira!

Vamos fugir das chamas e acabar com uma nota mais filosófica: E se através de seu trabalho imbuído de religiosidade, Luiz Bhittencourt colocasse a dúvida por excelência, a Dúvida Maior a dúvida sobre a existência de Deus. O caminho de Deus é cheio de dificuldades. O caminho da vida é cheio de contra tempos, lutas. Da mesma forma que Luiz em toda a sua obra, tende mais a questionar-se que a procura de respostas. Talvez ele nos esta dizendo que Deus é um itinerário. A vida é um itinerário.

Em referência às obras Coletânea da Religiosidade das séries Religiosa, Bento e Consagrados, com destaque para a obra “Séculos de Sangue, Por Deus ou pela Igreja?” da série Consagrados / Reflexão.