Douglas Marthim de Oliveira

Psicólogo Social; Formado pela União – Centro Universitário de Santo André – São Paulo; Terapeuta Palestrante, Membro do Conselho Municipal de Igualdade Racial da Estância Turística de Ribeirão Pires;

O singelo tem lugar garantido nas telas de todos os artistas de grande sensibilidade. Claro, há de se admirar aqueles que pintam grandes obras de momentos épicos da humanidade. É evidente que se desperta a sensação de grandiosidade com a representação de grandes cenas mitológicas. Mas não é disso que a vida é feita. A vida é feita de vasos de flores.
A mais preciosa sensação é aquela que nos leva em memória a algum lugar de nossa infância. O cheira chuva, a sensação da terra entre os dedos, a cor que o sol desperta nas pétalas de uma flor coberta pelo orvalho…. É dessas coisas que a vida é feita.
É disso que trata a série Vasos de Flores de Luiz Bhittencourt. Da vida. Capturando imagens através de impressões de cores e movimentos naturais, encontramos nessa série a nítida sensação de que há de fato vida naquela obra. É a vivacidade de Monet na serenidade de Renoir. É a rara expressão da vanguarda despretensiosa que alcança o mais alto e moais profundo naquilo qua já se viu.
Em formas e cores, texturas e temas, encontra-se um singelo tributo ao lado mais singelo do cotidiano humano. É obra para tornar o que é comum em bucólico. É a alegação de que o cotidiano pode ser sublime em cada forma e cada cor.
Em cada vaso de flor. 

Em referência a série Vaso de Flores

A arte é nada mais do que tornar sublime o que se percebe. Portanto, não há nada de mais primordial na arte do que tratar de percepção. O que seriam as artes visuais senão fazer com que o sujeito passe a perceber cores e formas como beleza e sensação? Na essência da música, está tornar vibrações no ar em sentimento. Na série Janelas e Percepção, o artista Luiz Bhittencourt trata justamente desses conceitos. O observador é levedo a olhar por um espelho: o que ele vê, faz com que ele questione como sou visto”. É uma metalinguagem quase cartesiana, do percebo, logo sou percebido. Remete a Munch, com uma intensidade cromática e dinamismo expressionistas de grande sofisticação.

Trata-se de uma obra intima para quem observa. É um exercício de exposição do self, numa sociedade que hoje paradoxalmente se expõe escancaradamente através de pequenas janelas de plástico e chips e ao mesmo tempo se isola compenetrada em uma tela eletrônica. É uma obra extremamente provocativa a um mundo que se acostumou a se mostrar, mas se desacostumou a ser visto.
Por isso, há de se repetir a afirmação: as janelas emolduradas na obra de Luiz Bhittencourt são como molduras de um espelho: provocam o reflexo e extraem reflexão.

Em referência a série Janelas e Percepção

Santas Ceias de Luiz Bhittencourt

Ao considerarmos a função da arte frente à existência humana, notamos nela impacto sobre aquilo que invariavelmente associamos, em diferentes tempos, culturas e contextos, a espiritualidade. Teço adiante linhas sobre como tal impacto metafísico foi alcançado nas Santas Ceias da série CONSAGRADOS do brilhante artista Luiz Bhittencourt. Na obra presentemente apreciada, vemos como a arte é desta forma uma expressão da alma, e a alma fala de tudo aquilo que é humano. A alma fala sobre comunhão e partilha. Sobre afeto e acalento, sobre refúgio e traição. Fala também sobre as mais basais das atividades que sustentam o homem, como sentar-se à mesa e dividir o pão. Este ato é intensamente familiar a nós, imortalizado de forma sacra na divina ocasião da Santa Ceia. Esta humanidade divina, ou esta divindade humana, contida na imagem da partilha do pão, é retratada de forma sublime pelo artista. Não se trata de fotografar um momento histórico. Se trata de traduzir em imagens todo o simbolismo metafisico da santa Ceia: é a representação visual em telas das facetas desta cena. O artista conta com cores a temperatura da esperança, em traços a contundência abjeta da traição e o enlevo da liberdade, conta em formas o acalento da partilha entre os povos e o isolamento dos que fogem da guerra. Despeja sobre a mesa a humanidade de reis e refugiados. Estas telas são uma história contada diversas vezes de formas diferentes. Já é prova notável de habilidade artística recontar uma história fazendo o espectador mudar sua perspectiva cada vez que a contempla. Fazê-lo sem o uso de palavras, através apenas do uso magistral da imagem, é demonstração inegável de maestria do artista Luiz Bhittencourt.

Em referencia a série Consagrados / Santa Ceias

Obras Anjos e Consagrados de Luiz Bhittencourt

Há de se dizer que na arte, há apenas um pecado, e nele incorrem aqueles que não despertam um agitar quente nas fundações da alma. Alma que se desvela na exposição do artista Luiz Bhittencourt. A essência humana vem sendo dividia e escrutinada desde tempos imemoriais, mas há de se convencionar que existe em cada homem um sopro de inspiração, que compele ao sagrado, e uma expiração áspera que chama ao profano. Na área entre os vícios e a virtude, existe o homem. Esta zona cinza entre os opostos é dada cor na arte de Luiz Bhittencourt, que conduz os olhos do apreciador por uma reflexão na qual o observador se torna ele mesmo o contemplado, levado a olhar para si mesmo em seu íntimo.

A arte se faz sublime quando é feita não só pelo artista mas também pelo apreciador. As telas deste artista falam, e falam acima de tudo sobre o ego e a essência. Como dizia Dalí, “A cultura do espírito identificar-se-á com a cultura do desejo”. Ambos estão ricamente apresentados na obra de Luiz Bhittencourt. A simbologia não é passiva no artista. A obra parte às vezes para a ofensiva, com olhares questionadores, carentes, alegres e velados, com uma enxurrada de padrões evocativos, representativos de conceitos arquetípicos. A cruz. O ponto. Símbolos tão antigos quanto o homem. Demasiadamente humanos, e ao mesmo tempo, divinos.

A fé toma formas diversas nesta obra. Em uma pincelada, a fé é a escada que leva do fundo do Id ao irredutível superego. Em outra é o estoico Eu. A alma em sua batalha diária está em uma cor, e em um ponto escuro descobrimos que os problemas que afligem o homem são os mesmos problemas que afligem os deuses. Na obra de Luiz Bhittencourt, o espírito encontra tudo, menos silêncio. Aprecie a seu próprio risco.

Em referência as séries Anjos e Consagrados